A proibição do uso de celulares nas escolas é uma medida que tem gerado debates acirrados e desafios para pais, professores e alunos. Quando analisamos essa questão sob a ótica das habilidades sociais e do desenvolvimento socioemocional, temos que reconhecer tanto os desafios como as oportunidades que se abrem com essa medida e descobrir formas de ajudar as escolas, os professores e os alunos a lidarem de construtivamente tanto com esses desafios como com essas oportunidades.
Os desafios e reações negativas vêm principalmente dos alunos, mas também de parte dos professores. Os alunos, especialmente os adolescentes que já vinham utilizando o celular, resistem a essa restrição e certamente são os mais descontentes, podendo até mesmo se tornar agressivos entre si e com os professores. Os casos mais graves de ansiedade e depressão na descontinuidade do celular também precisam ser considerados. Entre os professores, pode haver tensão e posicionamentos contrários, especialmente daqueles que vinham utilizando o celular como ferramenta adicional de ensino e daqueles que se sentem um tanto vulneráveis para eventuais confrontos com os alunos.
Lidar com esses desafios requer muitos cuidados da escola e dos educadores na implantação da medida e, em particular, o esclarecimento geral de todos em torno dos objetivos e benefícios que a medida pode trazer. Mas como fazer isso?
Antes de tudo é importante reconhecer os benefícios e objetivos, explícitos ou não, que poderiam ser amplificados com essa proibição de celulares. Eu vou focar mais especificamente nas questões relativas a habilidades sociais e desenvolvimento socioemocional e nos possíveis impactos sobre as metas da escola em termos de desenvolvimento e aprendizagem.
Primeiro de tudo, temos que reconhecer que os celulares de fato reduziram a qualidade das interações presenciais e vem afetando o desenvolvimento socioemocional das novas gerações. Já existem pesquisas mostrando isso, inclusive com foco na transição entre o uso e a suspensão de celulares na escola. Falando dos benefícios, temos que reconhecer que a proibição do uso de celulares, se bem implantada e gerenciada, pode abrir espaço para reverter os desfechos negativos do uso excessivo de celular pelos jovens (e até crianças, o que é mais grave).
Eu vou destacar aqui alguns exemplos importantes e, inclusive, alinhados com a política nacional da BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que podem ser melhor exploradas a partir dessa medida.
1. Estimular a comunicação face a face, ampliando as oportunidades para o aperfeiçoamento e a prática de habilidades sociais como iniciar e manter conversas, fazer amizades e, principalmente a empatia e a expressividade emocional, tão mais afetadas pela comunicação virtual. Mesmo atividades pedagógicas como trabalhos de grupo podem se beneficiar com a presença real e a redução de distrações dos alunos.
2. Reduzir comportamentos de exclusão, tanto daqueles que são excluídos como dos que se autoexcluem mergulhando no mundo virtual e em jogos online. A falta de celular pode criar mais oportunidades de inclusão.
3. Evitar conflitos e desenvolver habilidades para resolvê-los, já que comentários negativos, críticas e bullying, tão presentes no contexto virtual, podem ser gerenciadas mais diretamente, com mediação de professores e colegas.
4. Melhorar a regulação emocional. Muitos adolescentes usam o celular para evitar lidar com emoções desconfortáveis (como tédio ou ansiedade). Sem o celular, eles podem aprender a regular essas emoções de forma mais saudável, utilizando estratégias como conversas ou práticas apoio mútuo. Além disso, enquanto o uso do celular pode até ter facilitado os encontros afetivos que os adolescentes começam a buscar, a falta do celular vai requerer habilidades mais refinadas de aproximação e abordagem, bem como outros comportamentos de ensaio de relacionamentos afetivos.
Mas para alcançar todos esses resultados, certamente a escola vai ter que investir na qualidade da implantação dessa medida por meio de uma abordagem que também requer habilidades sociais dos educadores e gestores da escola.
Confira aqui algumas sugestões:
1. Compreensão e empatia quanto à resistência à proibição, dando voz aos alunos para que expressem suas insatisfações e demonstrando empatia com a dificuldade de todos nós em lidar com mudanças, ao mesmo tempo fazendo-os entender que mudança é sempre também uma oportunidade de coisas novas.
2. Incluir os adolescentes nas decisões, gerando momentos de conversa em grupo sobre como lidar com cada uma das dificuldades, sobre a criação das regras para o uso do celular e sobre alternativas para a aceitação e compromisso com a nova política.
3. Psicoeducação sobre habilidades sociais (oficinas, palestras para professores e alunos, sobre os benefícios e oportunidades da nova situação).
4. Criação de momentos de interação estruturada, como rodas de conversa, debates e jogos cooperativos que reforcem a comunicação e o trabalho em equipe.Aproveitar esses momentos para encaminhar soluções dadas pelos alunos para lidar produtiva e criativamente com momentos coletivos sem celular (por exemplo, no intervalo ou recreio com jogos, gincanas e outros projetos).
5. Capacitação dos professores para lidarem com os conflitos e resistências e, principalmente para ajudar os alunos a desenvolverem as habilidades que vão ser mais requeridas nessa situação.
6. Comunicação transparente com os alunos, explicando claramente os objetivos da proibição, mostrando que não se trata de punição, mas de proteção e oportunidade para o desenvolvimento pessoal e socioemocional deles.
7. Incluir os pais, dando oportunidade para serem ouvidos e para apontarem alternativas que melhorem ainda mais a implementação dessa medida. Isso significa tornar os pais também parceiros dessa empreitada.
Para concluir eu entendo que a proibição do uso de celulares nas escolas é um desafio que certamente vai ser maior nessa etapa de mudança, mas que pode criar oportunidades valiosas para o desenvolvimento socioemocional e das habilidades sociais dos alunos, desde que implementada de forma cuidadosa, com diálogo e estratégias educativas.
Em vez de apenas restringir, é importante transformar essa medida em um meio para incentivar interações saudáveis, fortalecer vínculos e preparar os jovens para os desafios da vida em sociedade.
Sobre Zilda Del Prette
Dra. Zilda Del Prette é apaixonada pelo comportamento humano, Pos-doc em Psicologia das Habilidades Sociais (EUA), Mestre e Doutora em Psicologia, com histórico de pesquisadora do CNPq (nosso reconhecido Conselho Nacional de Pesquisa) e professora universitária com mais de 40 anos de experiência e uma trajetória focada em Habilidades Sociais e Relações Interpessoais.
Fundadora e ex-coordenadora (junto com Almir Del Prette de 2000 a 2020) do Grupo de Trabalho em Habilidades Sociais da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia (ANPEPP). Tem 30 livros publicados, incluindo 06 manuais de testes, publicou 209 artigos em periódicos especializados, 445 trabalhos em anais de eventos, 75 capítulos de livros.
Seu maior objetivo no momento é disseminar para o maior número de pessoas o conhecimento que adquiriu em toda a sua história de pesquisa e prática em Habilidades Sociais e com isso te ajudar a aprimorar e ampliar sua prática profissional com segurança e autoridade no campo das Habilidades Sociais.
Contato:
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FERNANDO BOVO FISCHER
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