A busca por características que promovam melhorias, tanto na eficiência produtiva quanto no bem-estar
animal, tem sido uma prioridade no cenário atual da pecuária de corte. Entre essas características, o
caráter mocho, ou ausência de chifres, se destaca como um atributo de grande importância. O primeiro
registro de um animal mocho no Brasil data de 1957. Porém, há registros fotográficos de animais
mochos na Índia muito antes disso, como documentado no livro “ONGOLE” (Compendium 1885-2016)
pelos autores Mullapudi Narendranath e Adusumilli Madhusudhana Rao. Desde então, a seleção para
essa característica tem sido amplamente difundida.
Os principais benefícios e fatores econômicos associados à seleção de animais mochos incluem o bem-
estar animal, ao reduzir o efeito de dominância e brigas entre os animais, evitando lesões e contusões
que afetam diretamente o rendimento e a qualidade da carne. Além disso, promove a segurança dos
colaboradores das fazendas e elimina a necessidade de procedimentos dolorosos como a descorna, que
pode impactar negativamente no desempenho e bem-estar dos animais. A seleção de animais mochos
também beneficia projetos de produção de animais meio sangue, proporcionando bonificações
adicionais.
A herança da presença de chifres foi uma das primeiras características de herança mendeliana estudadas
em bovinos. Por um longo tempo, a maioria dos estudos sobre a base genética da ausência de chifres em
bovinos foi conduzida principalmente em animais de raças taurinas (Bos taurus taurus). Acreditava-se
que a presença ou ausência de chifres em bovinos fosse geneticamente determinada por um único par de
genes, identificando-a como uma característica monogênica, com dominância do alelo mocho (alelo
dominante) sobre o alelo padrão (alelo recessivo). Dessa forma, os primeiros estudos realizados em
animais zebuínos basearam-se também na análise do fenótipo de mocho ou chifre.
No entanto, estudos posteriores em animais zebuínos (Bos taurus indicus) revelaram uma complexidade
maior no padrão de herança, indicando a influência de múltiplos genes na expressão do fenótipo,
especialmente em raças como o Nelore, onde estruturas como o batoque e o calo são evidências
adicionais dessa complexidade. Essa presença de estruturas semelhantes a chifres na raça Nelore, como
o batoque, que são estruturas de diferentes tamanhos e não possuem ligação fixa ao crânio como os
chifres, juntamente com a presença de calo, despertou maior interesse em estudos para elucidar o padrão
de herança desse caráter complexo. Esses estudos revelaram que a presença do batoque, por exemplo,
varia geneticamente, e sua expressão fenotípica é influenciada pelo sexo e pelo locus Mocho, sendo
mais comum em machos do que em fêmeas. Foi concluído, portanto, que a expressão desse caráter é
influenciada por múltiplos genes, classificando-o como uma característica poligênica em animais Bos
indicus.
O desenvolvimento da DEP Mocho
Com o objetivo contínuo de desenvolver novas tecnologias que auxiliem os criadores durante o processo
de seleção e atender às demandas por animais mochos com ferramentas precisas para identificação e
seleção, a ANCP (Associação Nacional de Criadores e Pesquisadores) desenvolveu um modelo de
classificação fenotípica dos animais quanto à presença de chifres, mocho e suas variações (batoque e
calo), dividindo-os em quatro categorias: animais mochos; animais mochos filhos de progenitores
padrão; animais com presença de calo ou batoque e animais com chifres.
Ao todo, o banco de dados da ANCP incluiu 27 mil animais fenotipados de um total de 62 rebanhos. O
modelo foi utilizado em um estudo conduzido por pesquisadores da entidade para avaliar a influência
desse sistema de classificação e o efeito do sexo dos animais e dos marcadores SNP não autossômicos
na capacidade de predição genômica, visando propor o modelo mais adequado para a avaliação genética
do desenvolvimento dos chifres.
De maneira inovadora, a partir da coleta de fenótipos dos criadores associados e dos estudos realizados,
foi desenvolvida a DEP Mocho (Diferença Esperada na Progênie para Mochação), uma ferramenta que
quantifica a probabilidade (expressa em %) de um animal transmitir a característica de mochação aos
seus descendentes, pioneiramente no Brasil. Essa ferramenta permite a identificação de touros e
matrizes com potencial para transmitir a característica mocho, otimizando a seleção e os acasalamento e,
em consequência, acelerando o progresso genético dos rebanhos nesse aspecto. Além disso, mais
estudos estão sendo conduzidos pela equipe de pesquisadores em outras raças zebuínas, como a raça
Brahman, ampliando o conhecimento sobre os mecanismos genéticos envolvidos na expressão desse
importante caráter.
No sumário de touros da ANCP, lançado na Expogenética 2024, são apresentadas as avaliações
genéticas para mochação de touros provados e jovens. Para serem incluídos no sumário, os touros
provados atenderam os seguintes critérios: ter genótipo, variedade mocha, mínimo de 10 filhos com
fenótipos 1, 2, 3 ou 4, acurácia superior a 0,60, nascidos a partir de 2007 e até TOP 10% para
DMOCHO. Para os touros jovens (nascidos entre 2020 e 2022), os critérios incluem o genótipo,
variedade mocha, acurácia mínima de 0,50, nascidos entre 2020 e 2022 e TOP 50% para DMOCHO. A
ANCP também disponibiliza na consulta pública a avaliação genética para DEP Mocho, tanto para
touros provados quanto para jovens mochos.
A interpretação dessa DEP pode ser exemplificada da seguinte forma: considerando os touros A, B e C,
com DEPs para mochação de 100%, 73,70% e 42,64%, respectivamente, podemos observar que o touro
A possui uma probabilidade de mochação 26,3% maior que o touro B e 57,36% maior que o touro C. Da
mesma forma, o touro B apresenta uma probabilidade de mochação 31,06% superior ao touro C.
É importante ressaltar que essas porcentagens não são medidas absolutas. Como no exemplo acima, o
touro A com DEP Mocho de 100% teria todos os seus descendentes mochos. Isso ocorre devido à
natureza poligênica da característica, onde múltiplos genes influenciam o fenótipo observado e a
expressão dessa característica depende da combinação de alelos durante a fecundação, seguindo os
princípios da herança mendeliana.
A DEP representa uma probabilidade estimada de que um touro transmita a característica de mochação
para a sua descendência, em comparação com outros touros. Assim como qualquer outra DEP, é
fundamental interpretar e comparar as DEPs entre diferentes touros, em vez de analisá-las isoladamente,
para determinar sua habilidade na transmissão dessa característica.
Desenvolvida pela ANCP com o apoio dos criadores de mocho, essa solução tecnológica representa uma
iniciativa importante para fomentar a criação de rebanhos mais produtivos e alinhados com as modernas
práticas de bem-estar animal. A entidade tem o compromisso de fornecer ferramentas que não apenas
beneficiem diretamente os criadores, mas que também contribuam consideravelmente para a
sustentabilidade da pecuária de corte no Brasil.
Para conferir o Sumário de Touros da ANCP 2024, acesse Sumário de Touros ANCP
Fernando Sebastián Baldi Rey é pós-doutor em Genética e Melhoramento Animal, professor do
Departamento de Zootecnia da Unesp de Jaboticabal e pesquisador sênior da ANCP.
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DANIEL SILVÉRIO DA SILVA
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